
Roger Campos
Jornalista
(MTB 09816)
O cenário não poderia ser mais condizente com a cultura mineira – um majestoso casarão do século 19 cercado por montanhas e cafezais sem fim. E o terreiro de café a sua frente converteu-se como por encanto em palco para alguns dos principais frutos que a música do estado e do país já produziu. No último dia 12 de agosto, o Festival Feira Moderna virou realidade em Três Pontas, mesma cidade que há 40 anos colocava seu nome no circuito nacional – e por que não internacional – com o Show do Paraíso, promovido por Milton Nascimento ao lado de amigos do quilate de Chico Buarque, Gonzaguinha e Clementina de Jesus.
E mais uma vez a charmosa cidade do sul de Minas virou rota para fanáticos por música, que aportavam de diversos pontos do Brasil, como Salvador, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, para prestigiar algumas estrelas que estiveram exatamente naquele show de 1977, além de nomes da atual e rica cena sul-mineira. Famílias, casais, turmas de amigos e pessoas de todas as idades e estilos chegavam ao local no início da tarde num entusiasmo radiante que se refletia em roupas coloridas, cangas e acessórios setentistas. Sim, elas estavam no woodstock mineiro!
Os trabalhos sonoros foram abertos pela banda Marginália, mostrando ao público como a veia artística de Três Pontas está em constante renovação, incluindo uma bonita homenagem a Luiz Melodia. Na sequência, o trio Azymuth (Alex Malheiros, Ivan Conti “Mamão” e Kiko Continentino) elevou ainda mais a temperatura do local com um som eletrizante, fazendo jus à fama internacional do grupo. Dando sequência ao festival, quem ocupou o palco foi Daniel Gonzaga, que passeou por gêneros diversos como reggae, baião e MPB, relembrando a memória do avô Gonzagão e sobretudo do pai Gonzaguinha, com direito a uma participação do guitarrista Frederah, que acompanhou o autor de “Explode Coração” por anos.
A tarde já caía quando Nelson Ângelo relembrou temas como “Canoa, Canoa” e “Testamento”, clássicos do Clube da Esquina, com banda formada por excepcionais instrumentistas: Esdra Neném (bateria), Enéias Xavier (teclados), Beto Lopes (baixo) e Bárbara Barcellos nos vocais, além do renomado Marco Lôbo, que deu de brinde aos presentes um hipnótico solo de percussão. E já era noite quando o público parecia não acreditar que subia ao palco um nome que se confunde com a própria história da música brasileira: Francis Hime. Sozinho ao piano, desfilou temas de sua lavra como “Vai Passar”, “A Noiva da Cidade” e “Pixote” – parcerias com Chico Buarque -, cantados a plenos pulmões por centenas de pessoas na pista e camarote.
E o rock enfim fincou pé no woodstock mineiro quando o Compasso Lunnar deu as caras, destilando sua música autoral com arranjos vocais e qualidade instrumental em diálogo com gêneros diversos como rock e samba. Momento visceral também foi vivenciado com interpretação de “Lilia” (de Milton Nascimento) e “Armina” (de Wagner Tiso), esta já com a guitarra lisérgica de Frederah, autor do tema de encerramento da participação da banda, acompanhado pela plateia: “Sábado eu voouu..” E o sábado avançava quando um dos artistas mais queridos do Clube da Esquina e da MPB pisou no palco, entoando hinos como “Sal da Terra”, “Paisagem da Janela”, “Lumiar” e o clássico que dá nome ao festival: “Feira Moderna”. Beto Guedes, que faria aniversário no dia seguinte, domingo Dia dos Pais, proporcionou um espetáculo inesquecível ao lado do filho Ian e banda.
Outro hino ganhou os ares do woodstock mineiro na apresentação do trespontano Wagner Tiso, que convidou o sobrinho Paulo Francisco Tutuca para juntos relembrarem o hino das Diretas Já, “Coração de Estudante”, composta em parceria com Milton Nascimento – o momento foi um dos mais emocionantes de todo festival. Na sequência, o pianista, maestro e arranjador mostrou sua desenvoltura e talento, indo do erudito e jazz ao popular em temas de Villa-Lobos, Tom Jobim, Jacob do Bandolim e outros autorais, ao lado dos exímios instrumentistas Márcio Mallard (violoncelo) e Victor Biglione (guitarra). O concerto, em meio à madrugada trespontana sob a luz da lua, certamente não será esquecido por aqueles que lá estiveram.
E mais de dez horas depois do início do primeiro show do festival, lá estava o público colado ao palco ávido ainda por receber outra estrela da noite: Lô Borges. O Feira Moderna teve o privilégio de contar com a turnê do “Disco do Tênis”, pérola composta em 1972 pelo artista, com canções de grande originalidade, remetendo a uma paisagem de sonhos. A minuciosa recriação do trabalho ainda deu lugar a temas compostos por Lô no mesmo ano para o Clube da Esquina, nada menos que “Um girassol da cor dos seus cabelos” e “Trem azul”, dentre outras. A música brasileira de ontem e hoje estava mais viva do que nunca no coração de Minas Gerais quando o festival se encerrava.
O projeto audacioso, que transformou uma utopia em realidade em tempos difíceis para a cultura do país, foi conduzido com garra pela Gesto Produtora. “Agradecemos a todos que se empenharam bravamente nisso, a todos músicos e ao público que se deslocou de diversas partes do país para fazer parte desta celebração. Certamente foi escrita hoje mais uma página da relação profunda entre a música brasileira e a cidade de Três Pontas no último meio século”, afirma Aryanne Ribeiro, produtora do festival. Segundo a idealizadora deste woodstock mineiro, Ixa Veiga, a empreitada foi resultado de um longo empenho e que promete deixar seus frutos.“O sonho se realizou. O sonho de uma vida, idealizado por mais de um ano e que contou com mais de seis meses de produção. Ainda não acredito. Vida longa ao Feira Moderna e que os sonhos jamais envelheçam!”
Fonte João Marcos Veiga

Roger Campos
Jornalista
(MTB 09816)
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